Itaguaré x Marins : o retorno

Vista da travessia a partir do Marins, Itaguaré bem ao fundo

Finalmente estava chegando a data mais esperada dessa temporada de montanha: o retorno à travessia Itaguaré x Marins com o querido amigo Gerson Santos. Em maio do ano passado, chegamos até a base do Itaguaré, quando enfrentamos uma tempestade horrenda e tivemos que abortar a missão. Naquela ocasião, senti tanto frio e medo que desci jurando nunca mais voltar, promessa esta repensada logo depois de chegar em segurança à pousada em Passa Quatro e tomar um banho quentinho. “Um a zero pra montanha, mas vai ter revanche” – dissemos.

Então, estava se aproximando a data do retorno, agendada para agosto, mês normalmente mais seco que maio. Qual não foi meu desespero quando a previsão do tempo marcava uma virada justamente para a sexta-feira de início da caminhada? Fiquei apavorada com a possibilidade de enfrentar novamente aquele perrengue todo. Já estava achando que a montanha não queria que eu passasse por ela, e estava bem chateada. Tinha me decidido a não ir, caso a previsão não melhorasse. Chegamos à quinta-feira, véspera da data marcada, dia de ir a Guará encontrar o Gerson, e tudo indicava que a sexta seria feia mesmo, apesar de melhora prevista para sábado e domingo. Já quase sem esperanças, falei com a Ju “não tô nada animada pra ir debaixo de chuva de novo… será que rola alterar a data?”, pensando em pedir pro Gerson mudar pro fim de semana seguinte. Mas a gênia da Ju teve uma ideia melhor “e se a gente mantiver o fim de semana, mas em vez de começar na sexta, começar no sábado?” Seria perfeito. Propus pro Gerson, e meia hora depois ele já tinha conversado com o outro integrante do grupo e respondeu que topava! Sem previsão de chuva, comecei a acreditar que dessa vez daria certo, a montanha permitiria que eu conhecesse as belezas de seu caminho. E foi exatamente como previsto: céu azul durante os três dias de caminhada.

A ordem natural das coisas montanhísticas é fazer o maior número de trekkings menores para só então partir para a grandiosa Serra Fina. Como não conseguimos concluir Itaguaré x Marins no ano passado, acabou que a Serra Fina chegou pra mim antes dessa travessia que costuma ser usada de treino. Creio que sofri mais que o normal na Serra Fina, por conta da falta de treino, mas por outro lado, ela foi um baita treino pra Itaguaré x Marins, pois nessa não doeu quase nada. Ajudou MUITO ter partido desde o primeiro dia com a mochila ajustada (thanks Guga!) e mais leve menos pesada.

Esta travessia tem uma pegada bem mais técnica, apesar de mais curta em distância, o que acaba criando um desafio bem diferente. Bastante pirambeira, escalada, trecho com corda e cadeirinha, trecho que só dava pra passar rastejando e sem mochila, trechos bem expostos, uma pitada de bambus… diversão garantida!

Caminhamos grande parte do trajeto pela crista da Serra, e a vista é de tirar o fôlego. Achei ainda mais bela que a Serra Fina. Talvez eu tenha curtido mais por estar sem dores. Fizemos diversas paradas para respirar e contemplar. Isso é um dos lances que mais gosto nas guiadas do Gerson, ele nos dá tempo para curtir a trilha, papear, trocar ideias e impressões, e ouvir as milhares de histórias que ele tem pra contar. Afinal, o que importa não é a chegada, mas o caminho, certo? O grupo estava em total sintonia, o que contribuiu para uma caminhada tranquila e prazerosa. Eu e Ju não conhecíamos o Bruno, mas ele nos ajudou sempre que precisamos. Caminhamos num ritmo bom, que nos permitiu curtir o visual sem atrasar o tempo previsto para cada dia.

No sábado saímos de Guaratinguetá (SP) ainda de madrugada, rumo a Passa Quatro (MG). Lá, deixamos os carros e partimos até o início da trilha de Pajero com a Patricia, que no último dia, fez nosso resgate também. Chegando lá, tomamos café da manhã à luzes de lanterna, ainda estava breu total e fazia bastante frio. Não demoraria muito a começar a esquentar com o esforço da caminhada.

Nesse primeiro dia, após enchermos as garrafinhas com a água que utilizaríamos apenas para esse trecho inicial (mais ou menos 1 litro e meio) predomina uma subida puxada por dentro da floresta, com alguns pontos de respiro e contemplação, como um mirante de onde conseguimos ver um mar de nuvens maravilhoso.

Mirante a caminho do Itaguaré

Nesse dia, dormiríamos num camping depois do Itaguaré, que fizemos de ataque. Passando por uma área de camping antes do Itaguaré, Gerson perguntou “lembra deste lugar, Lux?” Foi ali que um ano antes tínhamos levantado as barracas debaixo de uma forte tempestade e aguardamos antes de decidir abortar a missão. Eu lembro daquele dia em detalhes, mas não reconheci o local, pois eu via agora uma excelente área de camping, um céu azul maravilhoso e o Itaguaré imponente logo ao lado, e naquela ocasião, era só um campo encharcado e neblina para todos os lados. Deixamos as cargueiras no pé da montanha e fomos ao cume, atravessando um trecho tenso com corda e joelhos moles.

Itaguaré e sua fenda. Passamos por cima da Pedra entalada

Assinamos o livro e curtimos muito o visual, tirando muitas fotos. O tapetão de nuvens estava incrível.

Cume do Itaguaré

Depois de um bom tempo ali, descemos, pegamos as cargueiras e seguimos adiante, até nosso camping, que tinha vista privilegiada pro Itaguaré, e estava vazio, todo o camping só para nós. Nessa noite, acordei por volta das 3h e aproveitei pra espiar o céu, e ele estava incrivelmente estrelado, pois era uma noite sem lua. Vesti todas as roupas possíveis e saí pra fotografar. Devo ter ficado fora da barraca durante uma hora, olhando pro céu, e vi muitas estrelas cadentes, daria pra fazer pedidos pra vida inteira. Consegui fazer uma star trail bacana.

Star trail

O segundo dia começou com tranquilidade, não muito cedo. Tomamos café, guardamos tudo e partimos. Esse era o dia mais técnico, com muitos trechos de escalaminhada, várias vezes por encostas expostas. Passamos pela Pedra Redonda, que eu tinha visto em vários outros trekkings, bem de longe, quando parece uma ervilha colocada por Deus na crista da serra. De perto, ela é bem grandinha, e parece mais um café, por conta de uma fissura que a divide no meio. Enquanto descansávamos e repúnhamos as energias, Bruno dava voltas na pedra procurando um jeito de escalar até o cume.

Bruno na Pedra Redonda

Gerson gostou da brincadeira e quando vi, lá estavam eles lançando corda pra subir. Eu, como escaladora, sou ótima fotógrafa (kkkkk), então peguei a câmera e voltei a trilha até um morro vizinho, de onde fiz alguns cliques desse momento histórico, a primeira escalada da Pedra Redonda.

Gerson e Bruno escalando a Pedra Redonda

Esse dia ainda teve a subida do Marinzinho, que é feita por corda. Apesar de não ser tão difícil, dá um cagaço forte porque é um trecho bem exposto. Nada que uma cadeirinha de segurança não garanta. Finalizamos subindo o Marins, nosso acampamento foi lá. Eu estava subindo aquele paredão de pedra pela quarta vez, mas o cume é sempre incrível. E o melhor: dessa vez não havia ninguém lá em cima, Marinzão estava inteiro só pra nós.

O terceiro dia eu já sabia de cor. Isso ajudou a descer tranquila, eu já sabia por onde passaríamos. Só descida e força nos cambitos pra segurar o freio. Joelhos moles novamente, mas dessa vez foi de cansaço. No refúgio Marins, um delicioso almoço nos aguardava. No horário combinado, a Patricia chegou e nos levou até Passa Quatro, e de lá voltamos a São Paulo. Meu coração transbordava de gratidão à Pacha Mama, que dessa vez foi tão bondosa em nos mostrar seus encantos, e aos amigos, os velhos e o novo, Gerson, Ju e Bruno, com quem tive o prazer de caminhar.

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